Em Dezembro fiz uma postagem no LinkedIn que rendeu uma troca muito rica de informações em torno do tema transformação digital.
A imagem, reproduzida aqui ao lado, compara o valor de mercado de alguns varejistas entre 2006 e 2016, e choca ao demonstrar grandes e sólidas empresas perdendo valor ou crescendo muito pouco, enquanto novos entrantes – nativos digitais – crescem a taxas aceleradas.
Que tal aprofundarmos um pouco mais o assunto?
Digital Transformation (DX) não é digitalização
Talvez o fator que mais precise ser entendido é que transformação digital não significa somente o uso e a aplicação de novas tecnologias.
Falar somente em “adoção de novas tecnologias” para justificar a transformação digital em si ou o uso do termo é cair numa abordagem rasa. Não que tecnologia não seja também importante mas ao escolher falar somente sobre adoção de tecnologias, estamos apenas privilegiando a abordagem comercial do tema: alguém tem dúvidas de que mudanças tecnológicas vendem?
Se só repetirmos o mantra de que nossa empresa está em transformação digital porque está adotando novas tecnologias, estamos de fato falando em digitalização, e isso não será suficiente para manter a competitividade no mercado.
Grande parte do que gerou a necessidade de transformação digital tem sim a ver com a digitalização de produtos e serviços (tanto da empresa os oferecer quanto de os consumir). Mas vai além: a transformação tem também a ver com os processos e habilidades que criam, tornam possível, gerenciam e entregam esses produtos e serviços.
Transformar é alterar a condição de uma para outra. A lógica por trás da necessidade de transformação digital está ligada a necessidades de mudança nos modelos de negócios, de cultura, de demanda dos clientes, de relacionamento com todos os stakeholders e assim por diante. A tecnologia é o meio, não é o fim.
Então quando você ouvir algum executivo falando “estamos fazendo transformação digital, criamos um app mobile que é incrível”, você sabe que só isso está longe de ser uma transformação digital. Pegar o mesmo modelo de negócios e digitalizar também não é transformar digitalmente.
O que aconteceu com os varejistas da imagem?
Muita coisa. Não tenho a pretensão de conhecer todos os detalhes.
Conforme defendido em alguns dos comentários da minha publicação original, essas empresas foram impactadas principalmente por novos entrantes, startups, o que indicaria um erro estratégico ou de execução das mesmas.
Em geral é mais fácil para uma empresa nova entender o mercado atual e ter uma perspectiva nova a respeito dele, já que não possui vícios e certezas das empresas líderes.
Pelo contrário: as startups possuem hipóteses de necessidades de mercado a serem validadas ou refutadas até atingirem o Product – Market – Fit e entrarem em growth, enquanto empresas estabelecidas lutam por market share.
O que acaba ocorrendo é que essas startups têm uma chance maior de criar um novo mercado, já nativamente digital.
Reid Hoffman, fundador do LinkedIn, disse que empreender é “como pular do precipício e construir um avião enquanto está caindo”. Difícil, não é mesmo? Como empreendedora de startups por boa parte da minha vida profissional sempre me reconheci muito nesse papel.
Tentei refletir sobre isso do ponto de vista de uma empresa líder de mercado e fiquei ainda mais assustada com o panorama. Poderíamos dizer que fazer transformação em uma empresa dessa escala é como trocar o motor (turbina) de um avião comercial em pleno vôo, com 300 passageiros a bordo, incluindo celebridades e políticos, sobrevoando uma das grandes capitais do mundo, no momento do maior evento anual dessa região, enquanto se discute com o conselho e acionistas se esse motor realmente é o mais eficiente.
Sem contar que para trocar o motor você já sabe, né? Tem que mudar o óleo, a quantidade de ar necessária é diferente, o consumo do combustível vai mudar, os funcionários mecânicos precisarão de outras habilidades e treinamento, o preço da passagem pode ter que mudar, e assim por diante. Porque na verdade mudar a turbina é mudar o avião.
Em resumo creio que a Amazon foi mais eficiente em mudar de fato os modelos de distribuição, de atendimento, de produtos e ofertas (digitais e não digitais mas ainda sim digitally enabled) e assim por diante. O que está por trás disso são formas radicalmente diferentes de se fazer marketing, logística, vendas, relação com fornecedores e consumidores, processos internos e de se trabalhar como um todo. Com a tecnologia digital apoiando tudo isso.
O WalMart comprou a Jet.com, startup de retech (retail technology) de um ano de idade no momento do deal, por US$3,3bi em 2016, para fazer frente à Amazon.
A principal dúvida quando vi o anúncio é o quanto o WalMart aprenderia com a Jet.com (cenário ideal) ou o quanto acabaria moldando a Jet.com às suas estruturas pré-estabelecidas (o que perderia no quesito transformação). Os indícios apontam para a primeira opção: o fundador da Jet.com se tornou Presidente e Chefe Executivo do e-commerce WalMart.
O que vem pela frente?
No Brasil vemos empresas de diversos setores acelerando suas transformação digitais e as startups também fazendo seu papel no processo.
As indústrias estão percebendo a pressão de entrantes em Fintech (serviços financeiros), RE tech (varejo), Ad tech (publicidade), Ed tech (educação), apenas para mencionar alguns.
Acabou o momento de deixar de tratar a transformação digital como uma unidade de negócios isolada, como um projeto, como “a função de outra área / ou pessoa / ou executivo / ou consultor”, e agir.
Enquanto antes a corrida estava muito baseada em adoção tecnológica, as empresas agora precisam pensar mais rapidamente e de forma mais incisiva sobre seus processos internos, a forma com que vendem, fazem marketing, entregam produtos, atendem aos consumidores, lidam com seus recursos humanos e assim por diante.
Falando em recursos humanos: novas profissões estão surgindo e algumas desaparecendo, os skill sets mudaram muito. Mas isso fica para outro artigo.