Inventores de dinheiro
As moedas sociais sempre estiveram restritas a comunidades. Agora, recursos como a internet e a telefonia móvel vão ampliar essas iniciativas, que já estão sendo testadas no Brasil
Olhando superficialmente, elas parecem notas do tradicional jogo Banco Imobiliário. A diferença é que as chamadas moedas sociais podem ser usadas para pagar contas de verdade. São emitidas por instituições financeiras comunitárias, como as que trabalham com microcrédito, e funcionam como dinheiro real. A diferença é que sua circulação é restrita às comunidades onde os bancos emissores atuam.
Esse dinheiro com origem e com função social complementa a renda de populações carentes e circula no Brasil desde 1998. Por aqui, as primeiras emissões ficaram a cargo do Banco Palmas, que concede pequenos empréstimos em uma comunidade de baixa renda em Fortaleza, a capital cearense. Agora, esse dinheiro social terá sua circulação ampliada com a ajuda da tecnologia.
A Cidade do Conhecimento, um grupo de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), está testando emissões por meio da internet e da telefonia celular. “A tecnologia é essencial para ampliarmos as possibilidades dessas moedas”, diz o economista Gilson Schwartz, responsável pelo grupo.
A Cidade do Conhecimento estuda esse movimento há oito anos. No Brasil, há 51 bancos que servem a comunidades de baixa renda. Poucos emitem esse dinheiro com função social, mas o número de participantes poderia crescer com o uso dos meios digitais, diz Schwartz. Em um evento realizado na USP em março, o grupo testou essas ferramentas. Foram cinco dias de palestras e oficinas. Quem participasse ganhava créditos para comprar livros.
Os especialistas afirmam que movimentos como esse podem ampliar muito a abrangência dessas iniciativas. “A comunicação e a tecnologia ajudam a congregar usuários e empresários para participar dos movimentos”, diz Paul Glover, inventor do Ithaca Hour, criado nos Estados Unidos, em 1991, e que circula até hoje em uma comunidade de Nova York. Michael Linton, outro pioneiro, concorda.
“O futuro do dinheiro está muito ligado à tecnologia”, diz ele. “Daqui a alguns anos, um dos principais meios de pagamentos será o celular e as moedas sociais têm de aproveitar isso.” Glover e Linton disseram estar entusiasmados com a iniciativa brasileira. “É a primeira vez que vemos um uso prático da tecnologia nesse segmento”, diz Glover.
A aplicação da tecnologia aos meios de pagamento tornou-se uma força econômica com a expansão dos negócios pela internet. Inventar dinheiro – honestamente, é claro – não é uma exclusividade dos “banqueiros do bem”. Empresas de internet descobriram que criar unidades de valor virtuais é uma boa maneira de embolsar algumas (ou muitas) moedas de verdade. Gigantes, como a rede social Facebook, descobriram que esse dinheiro é uma alternativa à publicidade para ganhar dinheiro.
A empresa de Mark Zuckerberg inventou o Facebook Credits, que circula apenas dentro do site e serve para comprar itens em jogos e aplicativos. Os usuários da rede compram o crédito, usando cartão e o dinheiro de verdade vai para o banco Facebook, que libera os credits à medida que os usuários vão fazendo compras – cobrando, é claro, uma parcela sobre as transações.
Essa ideia chegou ao Brasil. A desenvolvedora de jogos Vostu mantém diversos jogos com moedas próprias no Orkut. Cada ação dentro de jogo é paga com uma moeda diferente, mas todas são quitadas com reais. A cobrança é facilitada. “Os usuários podem usar cartão de crédito, boleto bancário, celular ou até comprar as moedas no mundo real, nos mesmos lugares onde adquirem crédito para celular”, diz Tahiana D’Egmont, responsável pelo marketing da Vostu.
As cotações das moedas virtuais oscilam de acordo com o momento de mercado e esses valores são arbitrados por uma equipe responsável por avaliar oferta e demanda. “São pessoas com formação e experiência em áreas como finanças, matemática e métrica”, diz o CEO Daniel Kafie. Virtuais ou reais, o certo é que as moedas abundam. A Vostu contabiliza 20 milhões de usuários em seus jogos no Orkut e é avaliada pelo mercado em US$ 300 milhões.